(Re)conhecermos ês nosses dissidentes. Artigo Ariel Q. Sesar

Ariel Q. Sesar

Ramón Suárez Picallo confessa numha carta a Eduardo Blanco Amor em 1946 que sonhava com voltar à ria de Sada e observarem juntos como as augas iluminam os corpos apolíneos dos moços nadadores para deleitaçom dos seus olhos. Algo banal, pensaredes, mas aqui reflete-se o que está por trás da ligaçom especial que tinham estes dous companheiros na política e na vida: mantinham umha amizade marica. Isto nom é tam banal como poderíamos pensar, senom que é a chave para entendermos a sua relaçom. Através das suas cartas, vemos que o vínculo que os unia nom era o mesmo que tinham com outros companheiros, como por exemplo com Castelao. Esta amizade marica, superior a qualquer amor, fijo que Picallo legara a metade de todos os seus bens a Blanco Amor.

Ontem celebravam-se duas efemérides. O 28 de junho de 1969 começava a Revolta de Stonewall, data pola que comemoramos todos os anos o Orgulho LGBT+. Esse mesmo dia, mas do ano 1936, aprovava-se em referendo o primeiro Estatuto de Autonomia de Galiza. Quando pensamos neste segundo feito, normalmente pensamos numha visom cishetero, em senhores normativos redigindo as bases políticas da naçom. Nom pensamos em que polo meio havia algumhe dissidente sexual. Suárez Picallo, um dos pais do Estatuto do 36, era marica.

Voltemos às cartas. Que tem de especial que Picallo e Blanco Amor tivessem umha amizade marica? Para eles, supunha ter um companheiro com que falar, ainda que fossa a distáncia, e co que se entendiam, com que podiam falar de intimidades livremente, além de falarem da situaçom política. À vez, as suas reflexons sobre política estám condicionadas fortemente pola sua orientaçom sexual, porque tinham umha perspectiva fora da norma. Para nós, supom termos referentes. Se pressupomos a cisheterossexualidade de todo o mundo, como é habitual, umha parte da nossa memória coletiva ficará apagada e perpetuaremos no presente essa soidade que Picallo relatava nas cartas a Blanco Amor há algo mais de meio século.

Este apagamento da história de que falo logicamente é deliberado. Pensemos no que aconteceu a Carlos Callón recentemente quando estava a piques de publicar o seu livro Vidas e historias LGBT da Idade Media. Recebeu insultos em massa por redes sociais, vários deles explicitamente LGBT-fóbicos, por atrever-se a pôr em dúvida a história oficial. Até se questionou o seu rigor académico e científico sem sequer a obra estar nas livrarias. Já recebera este tipo de reaçons quando há algo mais dumha década publicara Amigos e sodomitas: a configuración da homossexualidade na Idade Media, em que punha em questom, entre outras cousas, a interpretaçom forçadamente cisheterossexual que se figera de determinadas cantigas.

Remover a história, desarmarizá-la (usando as verbas de Callón), remexe os cimentos do sistema, já que desmonta a ideia do patriarcado e a cisheteronorma como algo ahistórico e as dissidências sexuais coma umha invençom contemporânea. O mesmo é que Callón defenda que Santa Ugia nom era cis, como dizer eu aqui que entre os nossos referentes políticos do nacionalismo havia maricas e que isso é importante.

Ponhamos outra cousa em questom: por que falarmos do passado com termos atuais como estou a fazer? Hoje em dia ouve-se às vezes afirmaçons do tipo «para que etiquetar-nos?, todas somos pessoas» e é habitual respondermos a isto com aquilo de «o que nom se nomeia nom existe». O mesmo razoamento podemos aplicar ao passado. Nom sabemos as verdadeiras orientaçons sexuais e identidades de género de Elisa e Marcela, mas som parte da história lésbica, bi, trans etc. deste país. Aplicamos termos atuais a outras épocas para podermos perceber melhor certas vivências análogas às nossas, sem termos nengumha necessidade de estabelecermos categorias estancas. Aliás, sobre todo, aplicamos termos atuais a realidades do passado para visibilizarmos personagens que nos podem servir de referentes, para nom sentirmos que estamos novamente a partir da nada, que somos ês primeires de algo.

A importância de sacar todo isto à luz é justo desmontar esses cimentos do sistema para podermos construir umha nova sociedade livre de qualquer sistema de opressom, também de cisheteronorma. Ramón Suárez Picallo e Eduardo Blanco Amor era maricas, com todas as letras da palavra marica. É hora de (re)conhecermos as nossas dissidentes.

*As cartas de Ramón Suárez Picallo a Eduardo Blanco Amor fôrom publicadas no 2016 baixo o título Querido Eduardo pola editora Chan da Pólvora.

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