ENTREVISTA A VALENTIM FAGIM

Reintegracionismo/Binormativismo

Desde o decreto Filgueira Valverde, 1982, a estratégia linguística institucional na Galiza pode-se resumir em: orgulhosamente sós, não precisamos das outras variedades da nossa língua (brasileira, portuguesa….) para o galego ser capaz de: a) evitar a substituição polo castelhano b) evitar a diluição no castelhano.

38 anos depois sabemos que foi um erro, todas e todos sabem. Agora, como antes, o castelhano é a língua hegemónica na Galiza e as falas galegas estão altamente castelhanizadas, essencialmente, porque a sociedade galega, em geral, vive em castelhano: Internet, apps, textos, informação, formação, audiovisual, música, rádio, televisão…

Vamos agora com outro facto: as outras variedades da nossa língua, hegemónicas nas suas sociedades, ajudam, muito, a fornecer input na nossa língua. Uma pessoa reintegracionista precisa menos do castelhano do que uma pessoa educada na estrangeirice do português. Isto permite que a primeira se assente mais no galego e que tenha registos de língua mais genuínos. Uma família reintegracionista, com crianças, pode fornecer a estas de conteúdos de todo o tipo: desenhos animados, apps, canais na Youtube, filmes, livros, banda desenhada… Sem input e sem transmissão da língua entre gerações não há galego, há uma sombra.

Ora, o binormativismo não é apenas útil para galego-falantes consciencializados, é para toda a sociedade. Num mundo global saber línguas é um valor cada vez mais valorizado. Com um esforço mínimo, tendo um conhecimento médio de galego, a passagem para o galego internacional é  muitíssimo mais simples do que abordar uma língua estrangeira a sério. A gestão do galego e do português na Galiza é um dos melhores exemplos de inoperância educativa e social. Visto de fora, é inacreditável. É como ter uma sociedade com um altura média de 1,90 e promover como desporto nacional meter bolinhas num buraco.

“A gestão do galego e do português na Galiza é um dos melhores exemplos de inoperância educativa e social”

Reflitamos sobre a educação obrigatória. Eu soubem com 18 anos, nasci em 1971, que as portas da língua portuguesa e das suas sociedades estavam abertas para mim. Não foi graças ao sistema educativo mas a amizades e ouvir música brasileira, portanto, ao acaso. A situação melhorou um bocado na atualidade mas a imensa maioria dos estudantes saem do BAC sem saberem que, por serem galeg@s, a sexta língua mais falada no mundo, está ao alcance dos seus dedos. O português, mesmo que fosse como língua estrangeira, deveria fazer parte da formação de todos os nossos estudantes. Seria bom para eles, individualmente, mas ajudaria também a reforçar a imagem do galego e dos galego-falantes, atualmente num patamar muito baixo.

Postura da RAG a respecto da figura de Carvalho Calero 

O “pecado” de Carvalho Calero foi a sua honestidade. A dada altura ele descobriu, como outras pessoas do seu tempo, que a estratégia autonomista não era eficaz para a nossa língua e a nossa sociedade. Não permitia mudar o estado de cousas, apenas sobreviver à sombra da uma derrota cada vez menos lenta. Não contestava o statu quo, punha-se na beira e acatava.

“Adiando 20 anos o reconhecimento a Carvalho Calero tornou-se patente que [na RAG] estavam ao seu próprio serviço, o das suas biografias, não ao da sociedade galega”

Quando uma pessoa é honesta não esconde as suas perceções e as suas análises, polo contrário, mostra-as e debate-as. Outros preferem sair na fotografia, não incomodar, conservar o seu lugar, as suas regalias, o seu prestígio… Carvalho Calero optou por mostrar uma estratégia melhor para o galego e por isso perdeu o seu lugar central no sistema galeguista e ficou nas margens.

Por tudo isto houvo que esperar vinte anos para lhe dedicarem um ano das Letras Galegas. Pessoas com uma biografia muito mais fraca passaram por diante dele. Porquê? Porque não portavam o “pecado”.

Posíbel adiamento para o 2021 do Día das Letras dedicado a Carvalho Calero

Vamos poder medir outra vez a saúde ética da Rag com motivo da crise do coronavírus. O ano Carvalho Calero, por causa da pandemia, não alcançou um desempenho mínimo, sobretudo no âmbito escolar e cultural. Se fosse qualquer outro autor ou autora, a celebração seria prorrogada até 2021 sem grande debate.  

O grande ponto fraco da RAG neste tema é o facto de ser uma entidade semipública. Se fosse privada, 100% privada, podiam tomar qualquer decisão, afinal renderiam conta a eles própri@s,  acionistas ou sóci@s. Mas a Rag está enraizada na esfera pública e as suas decisões tocam a sociedade galega no seu conjunto. Adiando 20 anos o reconhecimento a Carvalho Calero tornou-se patente que estavam ao seu próprio serviço, o das suas biografias, não ao da sociedade galega. Têm outra oportunidade agora, adiando para 2021 a homenagem a Carvalho Calero. A minha confiança em que prevaleça o serviço público tendem para zero.